Por Cícero Che – 15/06/2020.

“Há mais coisas no céu e terra, Horácio, do que foram sonhadas na sua filosofia.”

(Hamlet – Shakespeare)

Muito se tem falado e discutido sobre as ações para um combate unificado contra o governo neofascista que ora comanda o executivo federal e possui tentáculos espalhados por várias partes do país.

Há que se compreender, entretanto, que esse processo não se inicia agora, nem o projeto neofascista de poder, nem as articulações para seu enfrentamento.

A queda do muro de Berlim e a “abertura do Leste-Europeu”, foram derivadas em grande parte da implantação na URSS das políticas de Perestroika e Glasnost (Reestruturação e Transparência – respectivamente) ao final dos anos 80, as quais demoliram o modelo estatal stalinista e reimplantaram o modelo capitalista aos moldes europeizantes, como padrão de modernidade necessária ao desenvolvimento dos países antes chamados por diversas alas da esquerda brasileira de “socialismo real”.

Eis um debate necessário: era um modelo de socialismo? Era, de alguma forma, algo que podemos chamar de socialismo?

Mas por que razão fazemos esse breve resgate histórico ao analisarmos a conjuntura nacional em meio à pandemia de covid-19?

Porque foi após o fim da “cortina-de-ferro” que vivenciamos o crescimento dos movimentos ultranacionalistas e consequentemente o retorno do espírito nazifascista!

Feito isso, vamos ao que interessa.

A esquerda brasileira, o que chamamos erroneamente do espectro que abriga toda a gama de partidos que vão desde os que defendem a Revolução Socialista, aos que não só são contra esta mas defendem o fortalecimento do estado nacional capitalista e as reformas internas do capital como solução para as crises do capitalismo, hoje se vê diante de um dilema:

Unificar as ações para impedir o avanço das posições autoritárias e agressivas do presidente e seu séquito fantasmagórico, externadas não só verbalmente, com todos os perdigotos imagináveis e na linguagem mais rala que se pode esperar de quem tem a violência como programa de governo.

Enquanto estudamos a melhor maneira de enfrentá-lo, o Capital vai semeando seus ovos de serpente no ventre da sociedade judaico-cristã-ocidental e não somente nela!

Engana-se quem não vislumbra na solução personalista da campanha presidencial para o próximo pleito uma fagulha do mesmo pensamento.

As ilusões constitucionalistas permanecem fincadas no ideário da classe trabalhadora!

E assim nos dividimos e nos opomos, marchando em meio ao caos da falta de políticas públicas eficazes no combate à pandemia e aos efeitos socioeconômicos dela.

Com o crescimento das manifestações Antirracistas e Antifascistas nos Estados Unidos e das mesmas por aqui, vemos o aportar da juventude e diversos movimentos sociais, uns com apelo à democracia e antiditadura, outros com desvio para o viés eleitoral , como solução divina e única para os problemas do país. Vale ressaltar que ambas carecem de profundidade e conceituação de classe. A democracia defendida é a constitucional burguesa, assim como o antifascismo e o anti-racismo também se albergam na mesma sombra, não há concretude de auto-reconhecimento enquanto conjunto de luta maior, contra o sistema opressor, gerador dessas desigualdades e desses ódios supremacistas e ufanistas.

A multidão que protesta na Av. Paulista ou na Esplanada dos Ministérios gritando “Fora Bolsonaro e Mourão!” não o está fazendo desordenada ou descoordenada, dissociada da realidade!

Não a confundamos com movimentos acéfalos!

Há uma polarização crescente, cultivada especialmente no seio do neo-pentecostalismo brasileiro, diluído pelo ultraconsevadorismo e direcionado à fronte do operariado.

Vivemos tempos sombrios, ameaças às intituições (burguesas – vale o grifo), denúncias de fraudes eleitorais, fake news (divulgação de notícias falsas prejudiciais à compreensão dos fatos pela população), escândalo das “rachadinhas” do Queiroz, acusações de envolvimento dos filhos do presidente e do próprio com milícias, suspeitas de envolvimento com o assassinato da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes…

E nós?

Não desenvolvemos ferramentas para dialogar com a grande massa de trabalhadoras e trabalhadores que foi jogada na uberização, no trabalho temporário, no trabalho intermitente e na carteira verde-amarela!

Não apreendemos em tempo o mecanismo sutil de convencimento de boa parcela da sociedade que necessita dos serviços públicos, mas defende a privatização!

Não conseguimos expurgar da mente de enorme parcela da população preta, pobre, periférica, o jargão eugenista do “bandido bom é bandido morto’, mesmo quando nos afogamos em lágrimas ao ver essa mesma população tendo seus filhos e suas filhas, crianças e jovens adolescentes sendo fuziladas ou abatidas dentro de seus lares!

Mas, por quê?

Por que não fizemos essa tarefa urgente e necessária?

A fizemos, em parte!

Mas foi insuficiente.

O que pretendíamos com nossa unidade na luta era avançar na consciência de classes, não alcançamos esse objetivo. A nossa independência e, de certo modo, isolamento, são decorrentes da hesitação diante do conflito.

Não defendemos o estado burguês por princípio, mas devemos defendê-lo agora, por circunstância!

Não se trata de uma aliança com a burguesia, ainda não estamos nesse ponto. Talvez antes disso, um chamamento aos setores avançados da esquerda revolucionária ao bom combate, à propositura de pauta comum/ação conjunta. Com a pseudo-esquerda, o reformismo, aliança conjuntural e específica, ação conjunta/pauta específica.

E contra os fascistas, a força! Seja no debate aberto e direto, seja nas formas que eles pretenderem!

Precisamos dizer às pessoas quanto sangue poderão perder nesse embate!

Por fim, não querendo esgotar as possibilidades de discussão, preferindo alargá-las, entendemos que nesse aspecto poderá ser necessário um recuo. Não uma negação da luta ou do enfrentamento, mas um passo atrás para reestruturarmos nossa organicidade, nossa preparação e nossas propostas, que deverão ser fruto de ampla consulta e constante reavaliação, além de uma plataforma de comunicação, formação, agitação e propaganda revolucionária. 

“As ameaças e as guerras, havemos de atravessá-las, cortá-las ao meio, como uma quilha corta as ondas!”

(E então, que quereis? – Maiakovski)