* Por Rodrigo Ávila, economista da Auditoria Cidadã da Dívida
Desde a década de 70 entramos na fase do Capitalismo Financeirizado, fase mais brutal da exploração da classe trabalhadora. Em toda parte – até mesmo em países do chamado Primeiro Mundo – aumenta a desigualdade social, o desemprego, a supressão de direitos sociais, as privatizações em massa e a redução do tamanho do Estado. Ao mesmo tempo, a chamada “dívida pública” explode, passa a ser a prioridade absoluta, e seu pagamento justifica todo tipo de barbárie contra a classe trabalhadora e o próprio Estado.
No Brasil, o privilégio da dívida é mais escandaloso do que em qualquer outro lugar, pois praticamos as taxas de juros mais elevadas do planeta e destinamos quase a metade do orçamento federal – todo ano – para o pagamento de seus juros e amortizações. A CPI da Dívida Pública concluída em 2010 na Câmara dos Deputados comprovou impressionantes indícios de ilegalidade, ilegitimidades e até fraudes na formação da dívida externa e interna federal, dos estados e municípios, conforme relatório apresentado pelo Deputado Ivan Valente (PSOL/SP), que incorporou as análises técnicas feitas pela Auditoria Cidadã da Dívida.
Para que ninguém perceba o quanto o privilégio da dívida amarra o país e afeta diretamente a vida de todas as pessoas, diversos artifícios entram em ação. As falsas teorias de controle inflacionário que utilizam elevadíssimas taxas de juros – que não servem para controlar o tipo de inflação que existe no Brasil – tem servido para remunerar regiamente os rentistas e fazem a dívida explodir.
Também sob a falsa justificativa de combater a inflação, o Banco Central toma emprestada toda a sobra de caixa dos bancos (R$ 1,1 trilhão, ou 18% do PIB) por meio das “Operações Compromissadas”, para remunerá-los com juros altíssimos, tornando escasso o crédito a pessoas e empresas, para elevar as taxas em toda a economia.
Outro artifício é a mega-pedalada de centenas de bilhões de reais por ano, referente à contabilização da maior parte dos juros como se fosse amortização ou refinanciamento (rolagem).
A AUDITORIA DA DÍVIDA desmascara esses mecanismos e mostra que a chamada dívida pública tem sido um instrumento descarado de transferência de recursos públicos para o setor financeiro.
Está ficando cada vez mais difícil esconder a importância da auditoria, tendo em vista que o estoque da dívida interna cresceu R$ 636 bilhões em 2015, e R$ 573 bilhões em 2016, alcançando R$ 4,5 Trilhões em 31/12/2016. Considerando que os investimentos têm ficado perto de zero, o que fez a dívida crescer tanto?
De forma cidadã, em base a dados oficiais disponíveis, temos comprovado que o crescimento exponencial decorre do pagamento dos juros abusivos (disfarçados de amortização/refinanciamento); do elevado custo da remuneração da sobra de caixa dos bancos; de prejuízos com as ilegais operações de swap cambial, da prática ilegal do Anatocismo (juros sobre juros); além de vários outros mecanismos.
Também tem dificultado esconder a importância da auditoria o fato da dívida estar justificando as recorrentes privatizações; os crescentes cortes de investimentos sociais que comprometem o funcionamento até das universidades, além de alterações na Constituição, como a EC-95 (que congela as despesas primárias por 20 anos para que sobrem mais recursos para a dívida); a EC-93 (que aumentou a DRU para 30% e criou a DREM, retirando recursos vinculados a áreas sociais para destina-los aos juros); a PEC-287 (que desmonta a previdência social), entre outras alterações legais absurdas como a LC 159/2017.
A Auditoria Cidadã da Dívida tem incomodado todos que querem esconder tudo isso, pois explica de forma didática os artifícios que geram dívida sem contrapartida, seus privilégios e, principalmente, escancara seu impacto de mais de 40% do orçamento federal, por meio do famoso gráfico em formato de pizza, elaborado com dados oficiais disponibilizados no SIAFI (Disponível em www.auditoriacidada.org.br/mentirasverdades). Esse gráfico mostra os dados sem disfarce.
A Constituição autoriza o uso de novos empréstimos somente para investimentos ou amortização da dívida (despesas de Capital). Para burlar esse dispositivo (art. 167, III), fazem a manobra espúria, percebida por poucos, de contabilizar a maior parte dos juros como se fosse amortização/refinanciamento (rolagem). Assim, os novos empréstimos, que deveriam viabilizar investimentos voltados ao desenvolvimento socioeconômico, têm sido consumidos no pagamento dos juros abusivos.
Caso estivéssemos utilizando a montanha de recursos que o SIAFI informa como “amortização” para efetivamente amortizar a dívida, o estoque da dívida estaria caindo. Se estivéssemos apenas “rolando” a dívida o seu estoque se manteria constante. Mas o estoque da dívida tem aumentado exponencialmente! Portanto, é evidente que grande parte dessa “rolagem” é, na verdade, juros.
A Auditoria Cidadã da Dívida tem demonstrado o vínculo entre as sucessivas operações de refinanciamento da dívida externa realizadas desde a década de 70 com a dívida interna atual, passando pela assunção de dívidas privadas; suspeita de prescrição; transformação de dívida prescrita em novos títulos Brady, seguida de transformação de parte em dívida interna (com juros de até 50% a.a. ou mais) e outra parte usada como moeda para comprar empresas privatizadas a partir de 1996; além dos históricos juros escorchantes e recentes artifícios de swaps, compromissadas, etc.
Esses sucessivos escândalos têm criado a monstruosa dívida que nos empurra ao avesso do país que poderíamos ser. Por isso é urgente desmascarar tudo isso por meio de completa auditoria com participação cidadã.
Convido os (as) leitores (as) a acessarem nossa seção “Mentiras e Verdades sobre a dívida pública”, na página www.auditoriacidada.org.br/mentirasverdades , onde comentamos alguns argumentos de setores que criticam o trabalho da Auditoria Cidadã da Dívida, inclusive os argumentos colocados nos artigos ao lado.
(Artigo publicado na revista “Socialismo e Liberdade”, juntamente com outros dois artigos que criticaram a Auditoria da Divida.