COLONIALIDADE DO PODER, EUROCENTRISMO                                  E AMÉRICA LATINA

(Aníbal Quijano, Centro de Investigações Sociais (CIES), Lima)

Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pdf

Síntese: Lujan Maria Bacelar de Miranda

O texto compõe-se de uma breve introdução e está dividido em 03 partes, assim distribuídas:

I – A América e o novo padrão de poder mundial

  • Raça, uma categoria mental da modernidade
  • O Capitalismo: a nova estrutura de controle do trabalho
  • Colonialidade do poder e capitalismo mundial
  • Colonialidade e eurocentramento do capitalismo mundial
  • Novo padrão de poder mundial e nova intersubjetividade mundial
  • A questão da modernidade.

II – Colonialidade do poder e eurocentrismo

  • Capital e capitalismo
  • Evolucionismo e dualismo
  • Homogeneidade/continuidade e heterogeneidade/descontinuidade
  • O novo dualismo 

III – Eurocentrismo e experiência histórica na América Latina

  • O eurocentrismo e a “questão nacional”: o Estado-nação
  • O Estado-nação na América: os Estados Unidos 
  • América Latina: Cone Sul e maioria branca
  • Maioria indígena, negra e mestiça: o impossível “moderno Estado-nação”
  • Estado independente e sociedade colonial: dependência histórico-estrutural
  • Eurocentrismo e revolução na América Latina.

Para melhor entendimento algumas preliminares:

Colonialidade nos remete à ideia de colonialismoconceitosrelacionados, mas distintos. 

Colonialismo – política que consiste na ocupação/invasão de um território e no exercício do controle ou da autoridade sobre o mesmo por um determinado grupo ou representantes do governo de um país ao qual o território não pertence. Este processo se dá contra a vontade dos habitantes que, geralmente, são expropriados de seus bens, dos direitos políticos e até de suas próprias vidas. 

Colonialidade – padrão de poder resultante do colonialismo moderno, que não se limita à imposição política, militar, jurídica ou administrativa entre dois povos ou nações. Se refere à “forma como o trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas se articulam entre si através do mercado capitalista mundial e da ideia de raça”.  Ou seja, vai às “raízes mais profundas de um povo” e deste modo, “apesar do fim dos colonialismos modernos, a colonialidade sobrevive”.

Eurocentrismo – visão de mundo, que tenta colocar a Europa, com sua língua, seu povo, sua cultura etc., como protagonista da história da humanidade e elemento essencial para a formação da sociedade moderna.

INTRODUÇÃO

Globalização – novo padrão de poder mundial, que começou com a constituição da América   e do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado e que tem como um dos eixos fundamentais a classificação social da população mundial de acordo com a raça (eixo de origem e caráter colonial), “que expressa a experiência básica da dominação colonial” e “desde então permeia as dimensões mais importantes do poder mundial”. 

I. A América e o novo padrão de poder mundial

A América se constitui como “primeiro espaço/tempo de um padrão de poder de vocação mundial”, e, portanto, como “primeira identidade da modernidade”. 

Este espaço/tempo é resultado da convergência e associação de dois processos históricos, eixos fundamentais do novo padrão de poder:

  • A codificação das diferenças entre conquistadores e conquistados na ideia de raça (construção mental que por uma suposta “distinta estrutura biológica”, colocava uns “em situação natural de inferioridade em relação a outros”. 

Para os conquistadores esse era o principal elemento fundacional das relações de dominação exigidos pela conquista.  Assim, foi classificada a população da América, e posteriormente do mundo, nesse novo padrão de poder. 

  • A articulação em torno do capital e do mercado mundial, de todas as formas históricas de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos.

Raça, uma categoria mental da modernidade

  • A ideia de raça, no sentido moderno, provavelmente tenha origem na referência às diferenças fenotípicas (supostas diferenças de estruturas biológicas) entre conquistadores e conquistados (não se tem conhecimento de sua existência antes da América).     

Assim, na América, a formação de relações sociais fundadas nessa ideia, produziu identidades sociais historicamente novas: índios, negros e mestiços, e redefiniu outras. 

Palavras como espanhol e português, inicialmente, e posteriormente europeu, “que até então indicavam apenas procedência geográfica ou país de origem”, passaram a ter uma conotação racial em relação às novas identidades.

  • Como as relações sociais que estavam se estabelecendo eram relações de dominação, “tais identidades foram associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes”, ao padrão de dominação que se impunha.  Ou seja, “raça e identidade racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da população”.
  • Com o tempo, os colonizadores, que chamaram a si mesmos de brancos

codificaram como cor os traços fenotípicos dos colonizados e a assumiram como a característica emblemática da categoria racial”. Supõe-se que inicialmente esta codificação foi estabelecida na área britânico-americana, onde os negros eram não apenas os explorados mais importantes (uma vez que a parte principal da economia dependia de seu trabalho), mas a raça colonizada mais importante, visto que os índios não formavam parte dessa sociedade colonial. 

  • A a idéia de raça, na América, “foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista”. 
  • Posteriormente, “a constituição da Europa como nova identidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo” levaram à “elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento” e à “elaboração teórica da idéia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não-europeus”. 
  • Historicamente, isso significou uma nova maneira de legitimar as já antigas ideias e práticas de relações de superioridade/inferioridade entre dominantes e dominados”.
  • A mais eficaz e durável forma de dominação social universal, da qual passou a depender outra, igualmente universal e mais antiga, “a intersexual ou de gênero”. 
  • Deste modo, os povos conquistados e dominados, com seus traços fenotípicos, bem como suas descobertas mentais e culturais, foram colocados numa situação natural de inferioridade.      Assim, raça se converteu “no modo básico de classificação  social universal da população mundial”. 

O Capitalismo: a nova estrutura de controle do trabalho

• No processo de constituição histórica da América, foram articuladas em torno da relação capital-salário e do mercado mundial, todas as formas de controle e de exploração do trabalho e de controle da produção-apropriação-distribuição de produtos (escravidão, servidão, pequena produção mercantil, a reciprocidade e o salário).

Neste contexto, essas formas de controle do trabalho “não eram mera extensão de seus antecedentes históricos”. Eram todas histórica e sociologicamente novas”, pelo seguinte:

• Porque “foram deliberadamente estabelecidas e organizadas para produzir mercadorias para o mercado mundial”;

  • Porque não existiam somente “de maneira simultânea no mesmo espaço/tempo, mas todas e cada uma articuladas com o capital e com seu mercado, e por esse meio entre si”. É o “novo padrão global de controle do trabalho”, isto é, um elemento fundamental novo, “de um novo padrão de poder, do qual eram conjunta e individualmente dependentes histórico-estruturalmente”; não só “por seu lugar e função como partes subordinadas de uma totalidade, mas também porque sem perder suas respectivas características  e sem prejuízo das descontinuidades de suas relações com a ordem conjunta e consigo mesmas, seu movimento histórico dependia desse momento em diante de seu pertencimento ao padrão global de poder”. 
  • Porque, “como consequência, para preencher as novas funções cada uma delas desenvolveu novos traços e novas configurações histórico-estruturais”.

Assim, com essa estrutura de controle do trabalho, de recursos e de produtos, em torno de e em função do capital, se estabelecia pela primeira vez na história conhecida “uma nova, original e singular estrutura de relações de produção” – um padrão global de controle do trabalho, com característica capitalista – o capitalismo mundial.

Colonialidade do poder e capitalismo mundial

  • Na nova estrutura global de controle do trabalho, “as novas identidades históricas produzidas sobre a idéia de raça foram associadas à natureza dos papéis e lugares”. 
  • Deste modo, mesmo não sendo necessariamente dependentes para existirem ou para transformarem–se “raça e divisão do trabalho, foram estruturalmente associados” e passaram a reforçarem-se mutuamente; impondo-se “uma sistemática divisão racial do trabalho”. 

Exemplo

Área hispânica 

  1. Para impedir o total extermínio dos índios, a Coroa de Castela logo decidiu pelo fim da escravidão; confinando-os na estrutura da servidão. 
  2. Para quem vivia em suas comunidades, foi permitida a antiga reciprocidade (intercâmbio de força de trabalho e de trabalho sem mercado), como forma de reproduzirem sua força de trabalho como servos. 
  3. A nobreza indígena – reduzida minoria – “recebeu um tratamento especial, devido a seus papéis como intermediária com a raça dominante”, sendo-lhe “permitido participar de alguns dos ofícios nos quais eram empregados os espanhóis que não pertenciam à nobreza”.
  4. Os negros foram reduzidos à escravidão. 
  5. A raça dominante – espanhóis e portugueses – “odeiam receber salários, ser comerciantes independentes, artesãos independentes ou agricultores independentes, em suma, produtores independentes de mercadorias”. 
  6. Somente “os nobres podiam ocupar os médios e altos postos da administração colonial, civil ou militar”.

Ao longo de todo o período colonial, a distribuição racista do trabalho no interior do capitalismo colonial/moderno se manteve.

“No curso da expansão mundial da dominação colonial por parte da mesma raça dominante – os brancos (ou do século XVIII em diante, os europeus) – foi imposto o mesmo critério de classificação social a toda a população mundial em escala global”. 

E novas identidades históricas e sociais, assim como na distribuição exitosa da América, foram produzidas: “amarelos e azeitonados (ou oliváceos) somaram-se a brancos, índios, negros e mestiços”. 

Esta classificação era quase exclusivamente a “associação da branquitude social com o salário e logicamente com os postos de mando da administração colonial.”

Cada forma de controle do trabalho se articulou com uma raça particular. E “uma forma específica de trabalho podia ser ao mesmo tempo um controle de um grupo específico de gente dominada”. 

Deste modo, “uma nova tecnologia de dominação/exploração, neste caso raça/trabalho, articulou-se de maneira que aparecesse como naturalmente associada, o que, até o momento, tem sido excepcionalmente bem-sucedido”.

Colonialidade e eurocentramento do capitalismo mundial

  • A privilegiada posição da América (“controle do ouro, da prata e de outras mercadorias produzidas por meio do trabalho gratuito de índios, negros e mestiços”) e sua vantajosa localização  (“na vertente do Atlântico por onde, necessariamente, tinha de ser realizado o tráfico dessas mercadorias para o mercado mundial”), concedeu aos brancos “uma vantagem decisiva para disputar o controle do comércio mundial”. 
  • A progressiva monetarização do mercado mundial estimulada e permitida pelos metais preciosos da América, assim como o controle desses abundantes recursos, “possibilitou aos brancos o controle da vasta rede pré-existente de intercâmbio que incluía sobretudo China, Índia, Ceilão, Egito, Síria, os futuros Orientes Médio e Extremo”. 
  • “Isso também permitiu-lhes concentrar o controle do capital comercial, do trabalho e dos recursos de produção no conjunto do mercado mundial. 
  • Isso tudo foi reforçado e consolidado, posteriormente, através da expansão e da dominação colonial branca sobre as diversas populações mundiais.
  • O controle do tráfico comercial mundial nas regiões do Atlântico, onde os grupos dominantes (novos ou não) tinham suas sedes, “impulsionou um novo processo de urbanização nesses lugares, a expansão do tráfico comercial entre eles, e desse modo a formação de um mercado regional crescentemente integrado e monetarizado graças ao fluxo de metais preciosos procedentes da América”.
  • Assim, uma região historicamente nova (sede central do controle do mercado mundial) se constituía como uma nova identidade geocultural: a Europa, mais especificamente, a Europa Ocidental. Ao mesmo tempo, e no mesmo movimento histórico, se produzia, também, “o deslocamento de hegemonia da costa do Mediterrâneo e da costa ibérica para as do Atlântico Norte-ocidental”. 
  • O fato de ser sede central do novo mercado mundial não explica por si mesmo, “por que a Europa se transformou também, até o século XIX e virtualmente até a crise mundial ocorrida em meados de 1870, na sede central do processo de mercantilização da força de trabalho”, isto é, “do desenvolvimento da relação capital-salário como forma específica de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos”, enquanto “todas as demais regiões e populações incorporadas ao novo mercado mundial e colonizadas ou em curso de colonização sob domínio europeu permaneciam basicamente sob relações não-salariais de trabalho”; mesmo estando esse trabalho, seus recursos e seus produtos, desde cedo “articulados numa cadeia de transferência de valor e de benefícios cujo controle cabia à Europa Ocidental”. 
  • Ressalta-se que, “nas regiões não-europeias, o trabalho assalariado concentrava-se quase exclusivamente entre os brancos”. 
  • No capitalismo, em geral, não há nada “que implique a necessidade histórica da concentração, não só, mas sobretudo na Europa, do trabalho assalariado e depois, precisamente sobre essa base, da concentração da produção industrial capitalista durante mais de dois séculos”. Portanto, a explicação deve ser buscada “em outra parte da história. O fato é que já desde o começo da América, os futuros europeus associaram o trabalho não pago ou não-assalariado com as raças dominadas, porque eram raças inferiores”.
  • Destaca-se que “o vasto genocídio dos índios nas primeiras décadas da colonização não foi causado principalmente pela violência da conquista, nem pelas enfermidades que os conquistadores trouxeram em seu corpo”, mas porque os mesmos “foram usados como mão de obra descartável, forçados a trabalhar até morrer. A eliminação dessa prática colonial não termina, de fato, senão com a derrota dos encomendeiros*, em meados do século XVI”. 
  • Vale ressaltar que “a reorganização política do colonialismo ibérico que se seguiu implicou uma nova política de reorganização populacional dos índios e de suas relações com os colonizadores”. 

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*Responsáveis pelo recolhimento dos impostos dos indígenas e pela incorporação dos mesmos aos moldes culturais, econômicos e sociais europeus.

  • Contudo, não foram considerados trabalhadores livres e assalariados. “Mais de cem anos depois da Independência, uma parte ampla da servidão indígena era obrigada a reproduzir sua força de trabalho por sua própria conta”. E a outra forma de trabalho – o trabalho escravo – “foi restrita, exclusivamente, à população trazida da futura África e chamada de negra”.
  • Portanto, não se pode explicar, ainda hoje, o trabalho escravo e o menor salário das raças consideradas inferiores “pelo mesmo trabalho dos brancos, nos atuais centros capitalistas” se não se recorre “à classificação social racista da população do mundo. Em outras palavras, separadamente da colonialidade do poder capitalista mundial”.
  • Essa colonialidade  “determinou a geografia social do capitalismo: o capital, na relação social de controle do trabalho assalariado, era o eixo em torno do qual se articulavam todas as demais formas de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos”; o que o tornava dominante sobre todas as outras “e dava caráter capitalista ao conjunto de tal estrutura de controle do trabalho”. Essa “relação social específica foi geograficamente concentrada na Europa, sobretudo, e socialmente entre os europeus em todo o mundo do capitalismo. E nessa medida e dessa maneira, a Europa e o europeu se constituíram no centro do mundo capitalista”.
  • A célebre imagem criada por Raúl Prebisch (“Centro-Periferia”) para descrever a configuração mundial do capitalismo depois da Segunda Guerra Mundial, “apontou, sabendo-o ou sem saber, o núcleo principal do caráter histórico do padrão de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos, que formava parte central do novo padrão mundial de poder constituído a partir da América”. 
  • Desde o início, o capitalismo mundial foi colonial/moderno e eurocentrado. Sem relação nítida com essas características históricas específicas do capitalismo, “o próprio conceito de “moderno sistema-mundo” desenvolvido, principalmente, por Immanuel Wallerstein (1974-1989; Hopkins e Wallerstein, 1982) a partir de Prebisch e do conceito marxiano de capitalismo mundial, não poderia ser apropriada e plenamente entendido”.

Novo padrão de poder mundial e nova intersubjetividade mundial

  • A Europa, além de ter o controle do mercado mundial, impôs “seu domínio colonial sobre todas as regiões e populações do planeta, incorporando-as ao “sistema-mundo” que assim se constituía, e a seu padrão específico de poder” – um verdadeiro processo de re-identificação histórica – com a atribuição de “novas identidades geoculturais”, inicialmente na América, depois na Europa, África, Ásia e eventualmente Oceania. 
  • Na atribuição dessas novas identidades, “a colonialidade do novo padrão de poder foi, sem dúvida, uma das mais ativas determinações. Mas as formas e o nível de desenvolvimento político e cultural, mais especificamente intelectual, em cada caso, desempenharam também um papel de primeiro plano”. Por isso, “a categoria Oriente” foi “elaborada como a única com a dignidade suficiente para ser o Outro, ainda que por definição inferior, de Ocidente, sem que alguma equivalente fosse criada para índios ou negros”. Mas, estes fatores, também, atuaram “dentro do padrão racista de classificação social universal da população mundial”.
  • A incorporação dessas “diversas e heterogêneas histórias culturais a um único mundo dominado pela Europa, significou para esse mundo uma configuração cultural, intelectual, em suma intersubjetiva”, equivalente à articulação “para estabelecer o capitalismo mundial”. 
  • Ou seja, “como parte do novo padrão de poder mundial, a Europa também concentrou sob sua hegemonia o controle de todas as formas de controle da subjetividade, da cultura, e em especial do conhecimento, da produção do conhecimento”. 

Como se deu esse processo?

  1. Expropriaram as populações colonizadas;
  2. Reprimiram, em várias medidas, conforme o caso. “A mais violenta, profunda e duradoura entre os índios da América ibérica”, condenados a serem uma “subcultura camponesa iletrada” – “algo parecido com o que ocorreu na África”;
  3. Forçaram, conforme cada caso e com o objetivo de reproduzir a dominação, os dominados a aprenderem parcialmente, a cultura dos dominadores.

Segundo Wallerstein:

          “O êxito da Europa Ocidental em transformar-se no centro do moderno sistema mundo, segundo a apta formulação de Wallerstein, desenvolveu nos europeus um traço comum a todos os dominadores coloniais e imperiais da história, o etnocentrismo. Mas no caso europeu esse traço tinha um fundamento e uma    justificação peculiar: a classificação racial da população do mundo depois da América. A associação entre ambos os fenômenos, o etnocentrismo colonial e a classificação racial universal, ajudam a explicar por que os europeus foram levados a sentir-se não      só superiores a todos os demais povos do mundo, mas, além disso, naturalmente superiores”. 

“Os europeus geraram uma nova perspectiva temporal da história e ressituaram os povos colonizados, bem como a suas respectivas histórias e culturas, no passado de uma trajetória histórica cuja culminação era a Europa (Mignolo, 1995; Blaut, 1993; Lander, 1997)”; mas, não “não numa mesma linha de continuidade com os europeus, mas em outra categoria naturalmente diferente. Os povos colonizados eram raças inferiores e – portanto – anteriores aos europeus”.  

  • Assim, “a modernidade e a racionalidade foram imaginadas como experiências e produtos exclusivamente europeus” e “as relações intersubjetivas e culturais entre a Europa, ou, melhor dizendo, a Europa Ocidental, e o restante do mundo, foram codificadas num jogo inteiro de novas categorias: Oriente-Ocidente, primitivo-civilizado, mágico/mítico-científico, irracional-racional, tradicional-moderno. Em suma, Europa e não-Europa”. Exceção honrosa: O Oriente, reconhecido como “o Outro da Europa ou “Ocidente”, foi “Oriente”.
  • “Essa perspectiva binária, dualista, de conhecimento, peculiar ao eurocentrismo, impôs-se como mundialmente hegemônica no mesmo fluxo da expansão do domínio colonial da Europa sobre o mundo”. 
  • Não seria possível explicar de outro modo satisfatório, “a elaboração do eurocentrismo como perspectiva hegemônica de conhecimento, da versão eurocêntrica da modernidade e seus dois principais mitos fundacionais”: 1)”a ideia-imagem da história da civilização humana como uma trajetória que parte de um estado de natureza e culmina na Europa. 2) “outorgar sentido às diferenças entre Europa e não-Europa como diferenças de natureza (racial) e não de história do poder”. 

Esses “mitos podem ser reconhecidos, inequivocamente, no fundamento do evolucionismo e do dualismo, dois dos elementos nucleares do eurocentrismo”. 

A questão da modernidade

Quanto à questão da modernidade e de sua versão eurocêntrica, o autor afirma que não entrará numa discussão detida e que já se dedicou a este estudo em outros temas. Veja o que ele afirma sobre o mesmo!

  • Que os europeus ocidentais ao imaginarem “serem a culminação de uma trajetória civilizatória desde um estado de natureza, levou-os também a pensar-se como os modernos da humanidade e de sua história, isto é, como o novo e ao mesmo tempo o mais avançado da espécie” – e não apenas “os portadores exclusivos de tal modernidade, mas igualmente seus exclusivos criadores e protagonistas”. E mais, foram capazes de difundir e de estabelecer essa perspectiva histórica como hegemônica dentro do novo universo intersubjetivo do padrão mundial do poder”.
  • Que a resistência intelectual a essa perspectiva histórica emergiu na América Latina em fins do século XIX e se” afirmou sobretudo durante o século XX e em especial depois da Segunda Guerra Mundial, vinculada com o debate sobre a questão do desenvolvimento-subdesenvolvimento”;
  • Que durante um bom tempo foi dominado pela “denominada teoria da modernização”, com “vertentes opostas, para sustentar que a modernização não implica necessariamente a ocidentalização das sociedades e das culturas não-europeias, um dos argumentos mais usados foi o de que a modernidade é um fenômeno de todas as culturas, não apenas da europeia ou ocidental”.
  •  

Exemplos não faltam! 

Denominadas “altas culturas (China, Índia, Egito, Grécia, Maia-Asteca, Tauantinsuio) anteriores ao atual sistema mundo, mostram inequivocamente os sinais dessa modernidade, incluído o racional científico, a secularização do pensamento, etc.”

Acreditem! “Os defensores da patente europeia da modernidade costumam apelar para história cultural do antigo mundo heleno-românico e ao mundo do Mediterrâneo antes da América, para legitimar sua defesa da exclusividade dessa patente”.   Mas, escanteiam: 

  • “Que a parte realmente avançada desse mundo do Mediterrâneo, antes das América, área por área dessa modernidade, era islâmico-judaica”;
  • “Que foi dentro desse mundo que se manteve a herança cultural greco-romana, as cidades, o comércio, a agricultura comercial, a mineração, os têxteis, a filosofia, a história, quando a futura Europa Ocidental estava dominada pelo feudalismo e seu obscurantismo cultural”.
  • “Que, muito provavelmente, a mercantilização da força de trabalho, a relação capital salário, emergiu, precisamente, nessa área e foi em seu desenvolvimento que se expandiu posteriormente em direção ao norte da futura Europa”. 
  • “Que somente a partir da derrota do Islão e do posterior deslocamento da hegemonia sobre o mercado mundial para o centro-norte da futura Europa, graças à América, começa também a deslocar-se ao centro da atividade cultural a essa nova região”. E que, “por isso, a nova perspectiva geográfica da história e da cultura, que ali é elaborada e que se impõe como mundialmente hegemônica, implica, obviamente, uma nova geografia do poder”. 

E afirma: “A própria ideia de Ocidente-Oriente é tardia e parte da hegemonia britânica. Ou ainda é necessário recordar que o meridiano de Greenwich atravessa Londres e não Sevilha ou Veneza?” e que “a pretensão eurocêntrica de ser a exclusiva produtora e protagonista da modernidade” é uma “pretensão etnocentrista e além de tudo provinciana”.

E que há um “conjunto de elementos demonstráveis que apontam para um conceito de modernidade diferente, que dá conta de um processo histórico específico ao atual sistema mundo. Nesse conceito não estão, obviamente, ausentes suas referências e seus traços anteriores. Porém mais enquanto formam parte de um universo de relações sociais, materiais e intersubjetivas, cuja questão central é a libertação humana como interesse histórico da sociedade e, também, em consequência, seu campo central de conflito”.

E apresenta algumas proposições:

  • “O atual padrão de poder mundial é o primeiro efetivamente global da história conhecida”, pelo seguinte:

– “É o primeiro em que cada um dos âmbitos da existência social está articulado a todas as formas historicamente conhecidas de controle das relações sociais correspondentes, configurando em cada área uma única estrutura com relações sistemáticas entre seus componentes e do mesmo modo em seu conjunto”. 

– É o primeiro em que cada uma dessas estruturas de cada âmbito de existência social, está sob a hegemonia de uma instituição produzida dentro do processo de formação e

desenvolvimento deste mesmo padrão de poder. Assim, no controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos, está a empresa capitalista; no controle do sexo, de seus recursos e produtos, a família burguesa; no controle da autoridade, seus recursos e produtos, o Estado-nação; no controle da intersubjetividade, o eurocentrismo”. 

– “Cada uma dessas instituições existe em relações de interdependência com cada uma das outras. Por isso o padrão de poder está configurado como um sistema”.

– É o primeiro que cobre a totalidade da população do planeta.

  • “Por outro lado, o atual, o que começou a formar-se com a América, tem em comum três elementos centrais que afetam a vida cotidiana da totalidade da população mundial: a colonialidade do poder, o capitalismo e o eurocentrismo. Claro que este padrão de poder, nem nenhum outro, pode implicar que a heterogeneidade histórico-estrutural tenha sido erradicada dentro de seus domínios. O que sua globalidade implica é um piso básico de práticas sociais comuns para todo o mundo, e uma esfera intersubjetiva que existe e atua como esfera central de orientação valorativa do conjunto. Por isso as instituições hegemônicas de cada âmbito de existência social, são universais para a população do mundo como modelos intersubjetivos. Assim, o Estado-nação, a família burguesa, a empresa, a racionalidade eurocêntrica”.
  • “Portanto, seja o que for a mentira contida no termo “modernidade”, hoje envolve o conjunto da população mundial e toda sua história dos últimos 500 anos, e todos os mundos ou ex-mundos articulados no padrão global de poder, e cada um de seus segmentos diferenciados ou diferenciáveis, pois se constituiu junto com, como parte da redefinição ou reconstituição histórica de cada um deles por sua incorporação ao novo e comum padrão de poder mundial. Portanto, também como articulação de muitas racionalidades. Em outras palavras, já que se trata de uma história nova e diferente, com experiências específicas, as questões que esta história permite e obriga a abrir não podem ser indagadas, muito menos contestadas, com o conceito eurocêntrico de modernidade. Pela mesma razão, dizer que é um fenômeno puramente europeu ou que ocorre em todas as culturas, teria hoje um impossível sentido. Trata-se de algo novo e diferente, específico deste padrão de poder mundial. Se há que preservar o nome, deve tratar-se, de qualquer modo, de outra modernidade”.
  • Para o autor, “a questão central que nos interessa aqui é a seguinte: o que é o realmente novo com relação à modernidade? Não somente o que desenvolve e redefine experiências, tendências e processos de outros mundos, mas o que foi produzido na história própria do atual padrão de poder mundial?”
  • “Dussel (1995) propôs a categoria de transmodernidade como alternativa para a pretensão eurocêntrica de que a Europa é a produtora original da modernidade. Segundo essa proposta, a constituição do ego individual diferenciado é a novidade que ocorre com a América e é a marca da modernidade, mas tem lugar não só na Europa, mas em todo o mundo que se configura a partir da América. Dussel acerta no alvo ao refutar um dos mitos prediletos do eurocentrismo. Mas é controverso que o ego individual diferenciado seja um fenômeno exclusivamente pertencente ao período iniciado com a América”. 
  • Para Quijano “nessa perspectiva, é necessário admitir que a América e suas consequências imediatas no mercado mundial e na formação de um novo padrão de poder mundial, são uma mudança histórica verdadeiramente enorme e que não afeta somente a Europa, mas o conjunto do mundo. Não se trata de mudanças dentro do mundo conhecido, que não alteram senão alguns de seus traços. Trata-se da mudança do mundo como tal. Este é, sem dúvida, o elemento básico da nova subjetividade: a percepção da mudança histórica. É esse elemento o que desencadeia o processo de constituição de uma nova perspectiva sobre o tempo e sobre a história. A percepção da mudança leva à idéia do futuro, já que é o único território do tempo no qual podem ocorrer as mudanças. O futuro é um território temporal aberto. O tempo pode ser novo, pois não é somente a extensão do passado. E, dessa maneira, a história pode ser percebida já não só como algo que ocorre, seja como algo natural ou produzido por decisões divinas ou misteriosas como o destino, mas como algo que pode ser produzido pela ação das pessoas, por seus cálculos, suas intenções, suas decisões, portanto como algo que pode ser projetado e, consequentemente, ter sentido”. 
  • “E como se trata de processos que se iniciam com a constituição da América, de um novo padrão de poder mundial e da integração dos povos de todo o mundo nesse processo, de todo um complexo sistema-mundo, é também imprescindível admitir que se trata de um período histórico inteiro. Em outras palavras, a partir da América um novo espaço/tempo se constitui, material e subjetivamente: essa é a mentira do conceito de modernidade”.

II. Colonialidade do poder e eurocentrismo

  • A perspectiva e modo concreto de produzir conhecimento, “que demonstram o caráter do padrão mundial de poder: colonial/moderno, capitalista e eurocentrado”, produzida pela elaboração intelectual do processo de modernidade, se reconhece como eurocentrismo
  • A elaboração sistemática dessa perspectiva de conhecimento, “associada à específica secularização burguesa do pensamento europeu e à experiência e às necessidades do padrão mundial de poder capitalista, colonial/moderno, eurocentrado” teve início “na Europa Ocidental antes de meados do século XVII, ainda que algumas de suas raízes são sem dúvida mais velhas, ou mesmo antigas, e nos séculos seguintes se tornou mundialmente hegemônica percorrendo o mesmo fluxo do domínio da Europa burguesa”, “colonizando e sobrepondo-se a todas as demais” perspectivas de conhecimento, “prévias ou diferentes, e a seus respectivos saberes concretos, tanto na Europa como no resto do mundo”. 

Capital e capitalismo

O autor inicia afirmando que “a teoria de uma sequência histórica unilinear e universalmente válida entre as formas conhecidas de trabalho e de controle do trabalho, que foram também conceitualizadas como relações ou modos de produção, especialmente entre capital e pré-capital, precisa ser, em todo caso com respeito à América, aberta de novo como questão maior do debate científico-social contemporâneo”.

Do ponto de vista eurocêntrico, o que ocorre?

  • “Reciprocidade, escravidão, servidão e produção mercantil independente são todas percebidas como uma sequência histórica prévia à mercantilização da força de trabalho. São pré-capital”. São tidas, não só como diferentes, mas “como radicalmente incompatíveis com o capital”. 
  • Ocorre que “na América elas não emergiram numa sequência histórica unilinear; nenhuma delas foi uma mera extensão de antigas formas pré-capitalistas, nem foram tampouco incompatíveis com o capital” e “todas essas formas de trabalho e de controle do trabalho na América não só atuavam simultaneamente, mas foram articuladas em torno do eixo do capital e do mercado mundial. Juntas configuraram um novo sistema: o capitalismo”.
  • “O capital, como relação social baseada na mercantilização da força de trabalho, nasceu provavelmente em algum momento por volta dos séculos XI-XII, em algum lugar na região meridional das penínsulas ibérica e/ou itálica” e, portanto, é muito mais antigo que a América. Contudo, “antes da emergência da América, não está em nenhum lugar estruturalmente articulado com todas as demais formas de organização e controle da força de trabalho e do trabalho, nem tampouco era ainda predominante em relação a nenhuma delas. Só com a América pode o capital consolidar-se e obter predominância mundial, tornando-se precisamente o eixo em torno do qual todas as demais formas foram articuladas para os fins do mercado mundial. Somente desse modo o capital transformou-se no modo de produção dominante”. 

Evolucionismo e dualismo

  • O mito fundacional da versão eurocêntrica da modernidade – ponto de partida do curso civilizatório é o estado de natureza – culmina com a civilização europeia ou ocidental. Daí “se origina a especificamente eurocêntrica perspectiva evolucionista, de movimento e de mudança unilinear e unidirecional da história humana”.
  • Associado com a classificação racial da população do mundo, tal mito “produziu uma visão na qual se amalgamam, paradoxalmente, evolucionismo e dualismo”. 
  • “Essa visão só adquire sentido como expressão do exacerbado etnocentrismo da recém constituída Europa, por seu lugar central e dominante no capitalismo mundial colonial/moderno, da vigência nova das ideias mitificadas de humanidade e de progresso, inseparáveis produtos da Ilustração, e da vigência da ideia de raça como critério básico de classificação social universal da população do mundo”.  
  • Contudo, a história é muito distinta. “No momento em que os ibéricos conquistaram, nomearam e colonizaram a América (cuja região norte ou América do Norte, colonizarão os britânicos um século mais tarde), encontraram um grande número de diferentes povos, cada um com sua própria história, linguagem, descobrimentos e produtos culturais, memória e identidade. São conhecidos os nomes dos mais desenvolvidos e sofisticados deles: astecas, maias, chimus, aimarás, incas, chibchas, etc. Trezentos anos mais tarde todos eles reduziam-se a uma única identidade: índios. Esta nova identidade era racial, colonial e negativa”
  • O mesmo ocorreu “com os povos trazidos forçadamente da futura África como escravos: achantes, iorubás, zulus, congos, bacongos etc. No lapso de trezentos anos, todos eles não eram outra coisa além de negros”

Implicações desse resultado da história:

  • Foram despojados estes povos de suas identidades históricas;
  • Sua “nova identidade racial, colonial e negativa, implicava o despojo de seu lugar na história da produção cultural da humanidade. Daí em diante não seriam nada mais que raças inferiores, capazes somente de produzir culturas inferiores”. 
  • “Sua relocalização no novo tempo histórico constituído com a América primeiro e com a Europa depois: desse momento em diante passaram a ser o passado. Em outras palavras, o padrão de poder baseado na colonialidade implicava também um padrão cognitivo, uma nova perspectiva de conhecimento dentro da qual o não-europeu era o passado e desse modo inferior, sempre primitivo”. 

Vale ressaltar que “a primeira identidade geocultural moderna e mundial foi a América. A Europa foi a segunda e foi constituída como conseqüência da América, não o inverso. A constituição da Europa como nova entidade/identidade histórica fez-se possível, em primeiro lugar, com o trabalho gratuito dos índios, negros e mestiços da América, com sua avançada tecnologia na mineração e na agricultura, e com seus respectivos produtos, o ouro, a prata, a batata, o tomate, o tabaco, etc., etc. (Viola e Margolis, 1991)”.

  • Foi nessas condições que se “configurou uma região como sede do controle das rotas atlânticas, por sua vez convertidas, precisamente sobre essa mesma base, nas rotas decisivas do mercado mundial. Essa região não tardou em emergir como Europa. América e Europa produziram-se historicamente, assim, mutuamente, como as duas primeiras novas identidades geoculturais do mundo moderno”.
  • Mas, “os europeus persuadiram-se a si mesmos, desde meados do século XVII, mas sobretudo durante o século XVIII, não só de que de algum modo se tinham autoproduzido a si mesmos como civilização, à margem da história iniciada com a América, culminando uma linha independente que começava com a Grécia como única fonte original. Também concluíram que eram naturalmente (isto é, racialmente) superiores a todos os demais, já que tinham conquistado a todos e lhes tinham imposto seu domínio”. 
  • “O confronto entre a experiência histórica e a perspectiva eurocêntrica de conhecimento permite apontar alguns dos elementos mais importantes do

eurocentrismo: a) uma articulação peculiar entre um dualismo (pré-capital-capital, não europeu-europeu, primitivo-civilizado, tradicional-moderno, etc.) e um evolucionismo linear, unidirecional, de algum estado de natureza à sociedade moderna europeia; b) a naturalização das diferenças culturais entre grupos humanos por meio de sua codificação com a ideia de raça; e c) a distorcida relocalização temporal de todas essas diferenças, de modo que tudo aquilo que é não-europeu é percebido como passado. Todas estas operações intelectuais são claramente interdependentes. E não teriam podido ser cultivadas e desenvolvidas sem a colonialidade do poder”.

Homogeneidade/continuidade e heterogeneidade/descontinuidade

Devido à sua crise radical, a perspectiva eurocêntrica de conhecimento é hoje um campo volumoso de questões

Duas delas:

  • “Uma ideia da mudança histórica como um processo ou um momento no qual uma entidade ou unidade se transforma de maneira continua, homogênea e completa em outra coisa e abandona de maneira absoluta a cena histórica. Isto permite à outra entidade equivalente ocupar o lugar, e tudo isto continua numa cadeia sequencial. De outro modo não teria sentido, nem lugar, a ideia da história como uma evolução unidirecional e unilinear”.
  • Desta ideia se depreende “que cada unidade diferenciada, por exemplo uma

“economia/sociedade” ou um “modo de produção” no caso do controle do trabalho (capital ou escravidão) ou uma “raça/civilização” no caso de grupos humanos, é uma entidade/identidade homogênea. São, cada uma, estrutura de elementos homogêneos relacionados de maneira contínua e sistêmica (o que é distinto de sistemática)”. 

  • “A experiência histórica demonstra, contudo, que o capitalismo mundial está longe de ser uma totalidade homogênea e contínua” – “é, fundamentalmente, uma estrutura de elementos heterogêneos, tanto em termos das formas de controle do trabalho-recursos produtos (ou relações de produção) ou em termos dos povos e histórias articulados nele. Em consequência, tais elementos se relacionam entre si e com o conjunto de maneira também heterogênea e descontínua, ou mesmo conflitiva. 
  • Assim, “o processo de mudança dessa totalidade capitalista não pode, de nenhum modo, ser uma transformação homogênea e contínua do sistema inteiro, nem tampouco de cada um de seus componentes maiores. Tampouco poderia essa totalidade desvanecer-se completa e homogeneamente da cena histórica e ser substituída por outra equivalente. A mudança histórica não pode ser unilinear, unidirecional, sequencial ou total”. 

O novo dualismo  

  • Segundo o autor, “é pertinente abrir a questão das relações entre o corpo e o não corpo na perspectiva eurocêntrica, tanto por sua gravitação no modo

eurocêntrico de produzir conhecimento, como devido a que em nossa experiência tem uma estreita relação com as de raça e de gênero”.

  • “A ideia de diferenciação entre o “corpo” e o “não-corpo” na experiência humana é virtualmente universal à história da humanidade, comum a todas as “culturas” ou “civilizações” historicamente conhecidas. Mas é também comum a todas – até o aparecimento do eurocentrismo – a permanente           co-presença dos dois elementos como duas dimensões não separáveis do ser humano, em qualquer aspecto, instância ou comportamento”.
  • Com Descartes “o que era uma co-presença permanente de ambos os elementos em cada etapa do ser humano” “se converte numa radical separação entre “razão/sujeito” e “corpo”. A razão não é somente uma secularização da ideia de “alma” no sentido teológico, mas uma mutação numa nova identidade, a “razão/sujeito”, a única entidade capaz de conhecimento “racional”, em relação à qual o “corpo” é e não pode ser outra coisa além de “objeto” de conhecimento. Desse ponto de vista o ser humano é, por excelência, um ser dotado de “razão”, e esse dom se concebe como localizado exclusivamente na alma. Assim o “corpo”, por definição incapaz de raciocinar, não tem nada a ver com a razão/sujeito. Produzida essa separação radical entre “razão/sujeito” e “corpo”, as relações entre ambos devem ser vistas unicamente como relações entre a razão/sujeito humana e o corpo/natureza humana, ou entre “espírito” e “natureza”. Deste modo, na racionalidade eurocêntrica o “corpo” foi fixado como “objeto” de conhecimento, fora do entorno do “sujeito/razão”.
  • “Sem essa “objetivização” do “corpo” como “natureza”, de sua expulsão do âmbito do “espírito”, dificilmente teria sido possível tentar a teorização “científica” do problema da raça, como foi o caso do Conde de Gobineau (1853-1857) durante o século XIX” Para Gobineau, “a mistura de raças (miscigenação) era inevitável e levaria a raça humana a graus sempre maiores de degenerescência física e intelectual”.. 
  • “Dessa perspectiva eurocêntrica, certas raças são condenadas como “inferiores” por não serem sujeitos “racionais”. São objetos de estudo, “corpo” em consequência, mais próximos da “natureza”. Em certo sentido, isto os converte em domináveis e exploráveis. De acordo com o mito do estado de natureza e da cadeia do processo civilizatório que culmina na civilização europeia, algumas raças –negros (ou africanos), índios, oliváceos, amarelos (ou asiáticos) e nessa sequência– estão mais próximas da “natureza” que os brancos”. Somente assim, “foi possível que os povos não-europeus fossem considerados, virtualmente até a Segunda Guerra Mundial, antes de tudo como objeto de conhecimento e de dominação/exploração pelos europeus”.
  • Esse novo e radical dualismo afetou não só “as relações raciais de dominação, mas também a mais antiga, as relações sexuais de dominação”. A partir de então, “o lugar das mulheres, muito em especial o das mulheres das raças inferiores, ficou estereotipado junto com o resto dos corpos, e quanto mais inferiores fossem suas raças, mais perto da natureza ou diretamente, como no caso das escravas negras, dentro da natureza. É provável, ainda que a questão fique por indagar, que a ideia de gênero se tenha elaborado depois do novo e radical dualismo como parte da perspectiva cognitiva eurocentrista”.
  • “Durante o século XVIII, esse novo dualismo radical foi amalgamado com as ideias mitificadas de “progresso” e de um estado de natureza na trajetória humana, os mitos fundacionais da versão eurocentrista da modernidade. Isto deu vazão à peculiar perspectiva histórica dualista/evolucionista. Assim todos os não-europeus puderam ser considerados, de um lado, como pré-europeus e ao mesmo tempo dispostos em certa sequência histórica e contínua do primitivo ao civilizado, do irracional ao racional, do tradicional ao moderno, do mágico-mítico ao científico. Em outras palavras, do não-europeu/pré-europeu a algo que com o tempo se europeizará ou “modernizará”.
  • “Sem considerar a experiência inteira do colonialismo e da colonialidade, essa marca intelectual seria dificilmente explicável, bem como a duradoura hegemonia mundial do eurocentrismo. Somente as necessidades do capital como tal, não esgotam, não poderiam esgotar, a explicação do caráter e da trajetória dessa perspectiva de conhecimento.

III. Eurocentrismo e experiência histórica na América Latina

  • A perspectiva eurocêntrica de conhecimento, aplicada de maneira específica à experiência histórica latino-americana, “opera como um espelho que distorce o que reflete”. Temos “tantos e tão importantes traços históricos europeus em tantos aspectos, materiais e intersubjetivos. Mas, ao mesmo tempo, somos tão profundamente distintos. Daí que quando olhamos nosso espelho eurocêntrico, a imagem que vemos seja necessariamente parcial e distorcida”. 
  • “A tragédia é que todos fomos conduzidos, sabendo ou não, querendo ou não, a ver e aceitar aquela imagem como nossa e como pertencente unicamente a nós. Dessa maneira seguimos sendo o que não somos. E como resultado não podemos nunca identificar nossos verdadeiros problemas, muito menos resolvê-los, a não ser de uma maneira parcial e distorcida”.

O eurocentrismo e a “questão nacional”: o Estado-nação

  • Um dos exemplos mais nítidos “desta tragédia de equívocos na América Latina é a história da chamada questão nacional”, ou seja, “do problema do moderno Estado-nação”. 
  • Moderno Estado-Nação, “trata-se de uma sociedade nacionalizada e por isso politicamente organizada como um Estado-nação. Implica as instituições modernas de cidadania e democracia política. Ou seja, implica uma certa democracia, dado que cada processo conhecido de nacionalização da sociedade nos tempos modernos ocorreu somente através de uma relativa (ou seja, dentro dos limites do capitalismo) mas importante e real democratização do controle do trabalho, dos recursos produtivos e do controle da geração e gestão das instituições políticas. Deste modo, a cidadania pode chegar a servir como igualdade legal, civil e política para pessoas socialmente desiguais” .
  • “Na Europa o processo que levou à formação de estruturas de poder configuradas como Estado-nação, iniciou-se com a emergência de alguns poucos núcleos políticos que conquistaram seu espaço de dominação e se impuseram aos diversos e heterogêneos povos e identidades que o habitavam. Deste modo o Estado-nação iniciou-se como um processo de colonização de alguns povos sobre outros que, nesse sentido, eram povos estrangeiros”. Na Espanha “o processo incluiu a expulsão de alguns grupos, como os muçulmanos e judeus, considerados como estrangeiros indesejáveis. Esta foi a primeira experiência de limpeza étnica no período moderno, seguida pela imposição dessa peculiar instituição chamada “certificado de limpeza de sangue”.
  • “E continuou paralelamente à colonização imperial ou externa de povos que não só tinham identidades diferentes das dos colonizadores, mas que habitavam territórios que não eram considerados como os espaços de dominação interna dos colonizadores, quer dizer, não eram os mesmos territórios dos futuros Estados-nação dos colonizadores.
  • A partir de nossa atual perspectiva histórica o que aconteceu com os primeiros Estados centrais europeus, seus espaços de dominação (populações e territórios) e seus respectivos processos de nacionalização
  • As diferenças são muito visíveis: a existência de um forte Estado central não é suficiente para produzir um processo de relativa homogeneização de uma população previamente diversa e heterogênea, para produzir assim uma identidade comum e uma forte e duradoura lealdade a tal identidade. Entre esses casos, a França é provavelmente a experiência mais bem-sucedida, bem como a Espanha é a menos bem-sucedida”.

Por que a França sim e a Espanha não? 

  • A Espanha era em seus primórdios muito mais rica e poderosa que seus pares. Porém, após a expulsão dos muçulmanos e judeus deixou de ser produtiva e próspera para transformar-se em correia de transmissão dos recursos da América aos centros emergentes do capital financeiro mercantil. Ao mesmo tempo, após o violento e bem-sucedido ataque contra a autonomia das comunidades camponesas e das cidades e burgos, viu-se presa numa estrutura senhorial de poder e sob a autoridade de uma monarquia e de uma igreja repressivas e corruptas. A Monarquia da Espanha dedicou-se, ademais, a uma política bélica em busca da expansão de seu poder senhorial na Europa, em lugar de uma hegemonia sobre o mercado mundial e o capital comercial e financeiro como fizeram mais tarde a Inglaterra ou a França. Todas as lutas para forçar os controladores do poder a admitir ou negociar alguma democratização da sociedade e do Estado foram derrotadas, em especial a a revolução liberal de 1810-12”.
  • Já a “França, através da democratização radical das relações sociais e políticas com a Revolução Francesa, o prévio colonialismo interno evoluiu para um “afrancesamento” efetivo, ainda que não total, dos povos que habitavam o território da França, originalmente tão diversos e histórico-estruturalmente heterogêneos como no espaço de dominação que se chamaria Espanha. Os bascos franceses, por exemplo, são, em primeiro lugar, franceses, como os occitanos ou os navarros. Não é o caso da Espanha”. A “democratização da sociedade é a condição básica para a nacionalização dessa sociedade e de sua organização política num Estado-nação moderno. Não há, na verdade, exceção conhecida a essa trajetória histórica do processo que conduz à formação do Estado-nação”.

O Estado-nação na América: os Estados Unidos 

  • Examinando-se “a experiência da América, seja em suas áreas hispânica ou britânica”, pode-se “reconhecer diferenças e fatores básicos equivalentes”. 
  • “Na área britânico-americana, a ocupação do território foi desde o começo violenta.

Mas antes da Independência, conhecida nos Estados Unidos como a Revolução Americana, o território ocupado era muito pequeno. Por isso os índios não foram habitantes do território ocupado, não estavam colonizados. Por isso, os diversos povos indígenas foram formalmente reconhecidos como nações e com eles se praticaram relações comerciais inter-nações, inclusive se formaram alianças militares nas guerras entre colonialistas ingleses e franceses, sobretudo. Os índios não eram parte da população incorporada ao espaço de dominação colonial britânico-americana. Por isso mesmo, quando se inicia a história do novo Estado-nação chamado Estados Unidos da América do Norte, os índios foram excluídos dessa nova sociedade. Foram considerados estrangeiros. Mas posteriormente suas terras foram conquistadas e eles quase exterminados

  • “Os sobreviventes foram encerrados na sociedade estadunidense como raça colonizada. No início, portanto, relações colonial/raciais existiram somente entre brancos e negros. Este último grupo era fundamental para a economia da sociedade colonial, como durante um primeiro longo momento para a economia da nova nação. Todavia, demograficamente os negros eram uma relativamente reduzida minoria, enquanto os brancos compunham a grande maioria. 

“Quando da fundação dos Estados Unidos como país independente, o processo de constituição do novo padrão de poder levou desde o começo à configuração de um Estado-nação”, pelo seguinte:

  • Apesar da relação colonial de dominação entre brancos e negros e do extermínio colonialista da população índia, dada a condição avassaladoramente majoritária dos brancos, é inevitável admitir que esse novo Estado-nação era genuinamente representativo da maioria da população. Essa branquitude social da sociedade estadunidense foi inclusive aprofundada com a imigração de milhões de europeus durante o século XIX”.
    • “A conquista dos territórios indígenas resultou na abundância da oferta de um recurso básico de produção, a terra”, que “pôde ser, parcialmente concentrado em grandes latifúndios e também apropriado ou distribuído numa vasta proporção de média e pequenas propriedades”.

Em meados do século XIX, dois grupos específicos não estavam autorizados a participar da vida política: negros e índios. “Essa discriminação era, pois, o limite desse impressionante e massivo processo de formação do Estado-nação moderno na jovem república dos Estados Unidos da América”.

Com essa limitação e com o “fato de que os novos imigrantes eram não-brancos

(provinham da América Latina e da Ásia, em sua maioria), como advertiu Gunnar Myrdall (1944), “as relações coloniais dos brancos com esses outros povos poderiam ser um sério risco para a reprodução dessa nação. Sem dúvida esses riscos vêm aumentando hoje em dia, na medida em que o velho mito do melting pot foi abandonado à força e o racismo tende a ser de novo agudo e violento”.

América Latina: Cone Sul e maioria branca

  • “À primeira vista, a situação nos países do chamado Cone Sul da América Latina (Argentina, Chile e Uruguai) foi similar à ocorrida nos Estados Unidos. Os índios, em sua maioria, tampouco foram integrados à sociedade colonial, na medida em que eram povos de mais ou menos a mesma estrutura daqueles da América do Norte, sem disponibilidade para transformar-se em trabalhadores explorados, não condenáveis a trabalhar forçadamente e de maneira disciplinada para os colonos”. 
  • “Nesses três países, também a população negra foi uma minoria durante o período colonial, em comparação com outras regiões dominadas por espanhóis ou portugueses. E os dominantes dos novos países do Cone Sul consideraram, como no caso dos Estados Unidos, necessária a conquista do território que os índios povoavam e o extermínio destes como forma rápida de homogeneizar a população nacional e, desse modo, facilitar o processo de constituição de um Estado-nação moderno, à europeia”.

melting pot – “caldeirão de raças” (as diferenças culturais e raciais são fundidas e assimiladas por todos).

  • “Na Argentina e no Uruguai isso foi feito no século XIX. E no Chile durante as três primeiras décadas do século XX. Estes países atraíram também milhões de imigrantes europeus, consolidando em aparência a branquitude das sociedades”. 
  • “Um elemento crucial introduziu, contudo, uma diferença básica nesses países em comparação com o caso estadunidense, muito em especial na Argentina” – “a extrema concentração da propriedade da terra, em particular das terras conquistadas aos índios, tornou impossível qualquer tipo de relações sociais democráticas entre os próprios brancos e em consequência de toda relação política democrática. Sobre essa base, em lugar de uma sociedade democrática, capaz de representar-se e organizar-se politicamente num Estado democrático, o que se constituiu foi uma sociedade e um Estado oligárquicos, só parcialmente desmantelados desde a Segunda Guerra Mundial”. 
  • “Sua emergência como uma das áreas prósperas do mercado mundial foi rápida desde o último quarto do século XVIII, o que impulsionou no século seguinte uma massiva migração do sul, do centro e do leste da Europa. Mas essa vasta população migratória não encontrou uma sociedade com estrutura, história e identidade suficientemente densas e estáveis, para incorporar-se a ela e com ela identificar-se, como ocorreu no caso dos Estados Unidos e sem dúvida no Chile e no Uruguai”.
  • “Em fins do século XIX a população de Buenos Aires compunha-se em mais de 80% por imigrantes de origem européia. Levou tempo, por isso provavelmente, para que se considerassem com identidade nacional e cultural próprias diferentes da europeia, enquanto rejeitavam explicitamente a identidade associada à herança histórica latino-americana e, em particular, qualquer parentesco com a população indígena. 
  • “A concentração da terra foi igualmente forte no Chile, e um pouco menor no Uruguai”. Mas, “diferentemente da Argentina, os imigrantes europeus encontraram nesses países uma sociedade, um Estado, uma identidade já suficientemente densos e constituídos, aos quais se incorporaram e com os quais se identificaram mais pronta e completamente que no outro caso”
  • “No caso do Chile, por outra lado, a expansão territorial às custas da Bolívia e do Peru permitia à burguesia chilena o controle de recursos cuja importância marcou desde então a história do país: salitre primeiro, e cobre pouco depois. Nos pampas salitreiras formou-se o primeiro grande contingente de assalariados operários da América Latina, desde mediados do século XIX, e mais tarde foi no cobre que se formou a coluna vertebral das organizações sociais e políticas dos operários chilenos da velha república”.
  • “Os benefícios, distribuídos entre a burguesia britânica e a chilena, permitiram o impulso da agricultura comercial e da economia comercial urbana. Formaram-se novas camadas de assalariados urbanos e novas camadas médias relativamente amplas, junto com a modernização de uma parte importante da burguesia senhorial”.
  • “Foram essas condições as que tornaram possível que os trabalhadores e as classes médias pudessem negociar com algum êxito, desde 1930-35, as condições da

dominação/exploração/conflito. Isto é, da democracia nas condições do capitalismo. Desse modo, pode ser estabelecido um poder configurado como Estado-nação de brancos, logicamente”.

  • “Os índios, exígua minoria de sobreviventes habitando as terras mais pobres e inóspitas do país, foram excluídos desse Estado-nação. Até há pouco eram sociologicamente invisíveis. Agora não o são tanto, começam a mobilizar-se em defesa dessas mesmas terras que também arriscam perder face ao capital global”.
  • “O processo de homogeneização dos membros da sociedade imaginada de uma perspectiva eurocêntrica como característica e condição dos Estados-nação modernos, foi levado a cabo nos países do Cone Sul latino-americano não por meio da descolonização das relações sociais e políticas entre os diversos componentes da população, mas pela eliminação massiva de alguns deles (índios, negros e mestiços)”. Assim, “a democracia alcançada e o Estado-nação constituído não podiam ser afirmados e estáveis. A história política desses países, muito especialmente desde fins da década de 60 até o presente, não poderia ser explicada à margem dessas determinações”.

Maioria indígena, negra e mestiça: o impossível “moderno Estado-nação”.

  • “No restante dos países latino-americanos, essa trajetória eurocêntrica em direção ao Estadonação se demonstrou até agora impossível de chegar a termo. Após a derrota de Tupac Amaru e do Haiti, só nos casos do México e da Bolívia chegou-se tão longe quanto possível no caminho da descolonização social, através de um processo revolucionário mais ou menos radical, durante o qual a descolonização do poder pode percorrer um trecho importante antes de ser contida e derrotada”. 
  • “Nesses países, ao começar a Independência, principalmente aqueles que foram demográfica e territorialmente extensos em princípios do século XIX, aproximadamente um pouco mais de 90% do total da população era de negros, índios e mestiços. Contudo, em todos estes países, durante o processo de organização dos novos Estados, a tais raças foi negada toda possível participação nas decisões sobre a organização social e política. A pequena minoria branca que assumiu o controle desses Estados viu-se inclusive com a vantagem de estar livre das restrições da legislação da Coroa Espanhola, que se dirigiam formalmente à proteção das raças colonizadas. A partir daí chegaram inclusive a impor novos tributos coloniais aos índios, sem prejuízo de manter a escravidão dos negros por muitas décadas”.
  • Obviamente, “esta minoria dominante se encontrava agora livre para expandir sua propriedade da terra às custas dos territórios reservados aos índios pela regulamentação da Coroa Espanhola. No caso do Brasil, os negros não eram nada além de escravos e a maioria dos índios constituía-se de povos da Amazônia, sendo desta maneira estrangeiros para o novo Estado.
  • “O Haiti foi um caso excepcional onde se produziu, no mesmo movimento histórico, uma revolução nacional, social e racial. Quer dizer, uma descolonização real e global do poder. Sua derrota produziu-se pelas repetidas intervenções militares por parte dos Estados Unidos. O outro processo nacional na América Latina, no Vice-reino do Peru, liderado por Tupac Amaru II em 1780, foi derrotado cedo. Desde então, em todas as demais colônias ibéricas os grupos dominantes tiveram êxito precisamente em evitar a descolonização da sociedade enquanto lutavam por Estados independentes”. 
  • “Esses novos Estados não poderiam ser considerados de modo algum como nacionais, salvo que se admita que essa exígua minoria de colonizadores no controle fosse genuinamente representante do conjunto da população colonizada. As respectivas sociedades, baseadas na dominação colonial de índios, negros e mestiços, não poderiam tampouco ser consideradas nacionais, e muito menos democráticas. Isto coloca uma situação aparentemente paradoxal: Estados independentes e sociedades coloniais. O paradoxo é somente parcial ou superficial, se observamos com mais cuidado os interesses sociais dos grupos dominantes daquelas sociedades coloniais e de seus Estados independentes.

Estado independente e sociedade colonial: dependência histórico-estrutural

  • “Nas outras sociedades ibero-americanas, a pequena minoria branca no controle dos Estados independentes e das sociedades coloniais não podia ter tido nem sentido nenhum interesse social comum com os índios, negros e mestiços. Ao contrário, seus interesses sociais eram explicitamente antagônicos com relação aos dos servos índios e os escravos negros, dado que seus privilégios compunham-se, precisamente, do domínio/exploração dessas gentes”.
  • “Eram dependentes dessa maneira específica, não porque estivessem subordinados por um poder econômico ou político maior. De quem? Espanha ou Portugal eram então demasiadamente fracos, subdesenvolviam-se, não podiam exercer nenhum neocolonialismo como ingleses ou franceses em certos países da África depois da independência política desses países. Os Estados Unidos encontravam-se absorvidos na conquista das terras dos índios e no extermínio dessa população, iniciando sua expansão imperial sobre parte do Caribe, ainda sem capacidade de expandir seu domínio econômico ou político. A Inglaterra tentou ocupar Buenos Aires e foi derrotada”. 
  • “Os senhores brancos latino-americanos, donos do poder político e de servos e de escravos, não tinham interesses comuns, e sim exatamente antagônicos aos desses trabalhadores, que eram a avassaladora maioria da população dos novos Estados”. 
  • “Enquanto na Europa e nos Estados Unidos a burguesia branca expandia a relação social chamada capital como eixo de articulação da economia e da sociedade, os senhores latino-americanos não podiam acumular seus muitos benefícios comerciais comprando força de trabalho assalariada, precisamente porque isso ia contra a reprodução de sua condição de senhores. E destinavam esses benefícios comerciais ao consumo ostentoso das mercadorias produzidas, sobretudo, na Europa”
  • “A dependência dos capitalistas senhoriais desses países tinha como consequência uma fonte inescapável: a colonialidade de seu poder levava-os a perceber seus interesses sociais como iguais aos dos outros brancos dominantes, na Europa e nos Estados Unidos. Essa mesma colonialidade do poder impedia-os, no entanto, de desenvolver realmente seus interesses sociais na mesma direção que os de seus pares europeus, isto é, transformar capital comercial (benefício igualmente produzido na escravidão, na servidão, ou na reciprocidade) em capital industrial, já que isso implicava libertar índios servos e escravos negros e transformá-los em trabalhadores assalariados.”
  • Assim, “por óbvias razões, os dominadores coloniais dos novos Estados independentes, em especial na América do Sul depois da crise de fins do século XVIII, não podiam ser nada além de sócios menores da burguesia européia. Quando muito mais tarde foi necessário libertar os escravos, não foi para assalariá-los, mas para substituí-los por trabalhadores imigrantes de outros países, europeus e asiáticos. A eliminação da servidão dos índios é recente. Não havia nenhum interesse social comum, nenhum mercado próprio a defender, o que teria incluído o assalariado, já que nenhum mercado local era de interesse dos dominadores. Não havia, simplesmente, nenhum interesse nacional”. 
  • “A dependência dos senhores capitalistas não provinha da subordinação nacional. Esta foi, pelo contrário, a consequência da comunidade de interesses raciais. Estamos lidando aqui com o conceito da dependência histórico-estrutural, que é muito diferente das propostas nacionalistas da dependência externa ou estrutural”
  • “A subordinação veio mais adiante, precisamente devido à dependência e não o contrário: durante a crise econômica mundial dos anos 30, a burguesia com mais capital comercial da América Latina (Argentina, Brasil, México, Chile, Uruguai e até certo ponto a Colômbia) foi forçada a produzir localmente os bens que serviam para seu consumo ostentador e que antes tinham que importar.
  • “Este foi o início do peculiar caminho latino-americano de industrialização dependente: a substituição dos bens importados para o consumo ostentador dos senhores e dos pequenos grupos médios associados a eles, por produtos locais destinados a esse consumo. Para tal finalidade não era necessário reorganizar globalmente as economias locais, assalariar massivamente servos, nem produzir tecnologia própria. A industrialização através da substituição de importações é, na América Latina, um caso revelador das implicações da colonialidade do poder”.
  • “Neste sentido, o processo de independência dos Estados na América Latina sem a descolonização da sociedade não pôde ser, não foi, um processo em direção ao desenvolvimento dos Estados-nação modernos, mas uma rearticulação da colonialidade do poder sobre novas bases institucionais. Desde então, durante quase 200 anos, estivemos ocupados na tentativa de avançar no caminho da nacionalização de nossas sociedades e nossos Estados. Mas ainda em nenhum país latino-americano é possível encontrar uma sociedade plenamente nacionalizada nem tampouco um genuíno Estado-nação”
  • A colonialidade do poder ainda exerce seu domínio, na maior parte da América Latina, contra a democracia, a cidadania, a nação e o Estado-nação moderno.

“Atualmente podem-se distinguir quatro trajetórias históricas e linhas ideológicas acerca do problema do Estado-nação:

  1. Um limitado mas real processo de descolonização/democratização através de revoluções radicais como no México e na Bolívia, depois das derrotas do Haiti e de Tupac Amaru. No México, o processo de descolonização do poder começou a ver-se paulatinamente limitado desde os anos 60 até entrar finalmente num período de crise no final dos anos 70. Na Bolívia a revolução foi derrotada em 1965.
    1. Um limitado mas real processo de homogeneização colonial (racial), como no Cone Sul (Chile, Uruguai, Argentina), por meio de um genocídio massivo da população aborígene. Uma variante dessa linha é a Colômbia, onde a população original foi quase exterminada durante a colônia e substituída pelos negros.
  • Uma sempre frustrada tentativa de homogeneização cultural através do genocídio cultural dos índios, negros e mestiços, como no México, Peru, Equador, Guatemala-América Central e Bolívia.
  • A imposição de uma ideologia de “democracia racial” que mascara a verdadeira discriminação e a dominação colonial dos negros, como no Brasil, na Colômbia e na Venezuela. Dificilmente alguém pode reconhecer com seriedade uma verdadeira cidadania da população de origem africana nesses países, ainda que as tensões e conflitos raciais não sejam tão violentos e explícitos como na África do Sul ou no sul dos Estados Unidos.
  • Isso comprova que “há, sem dúvida, um elemento que impede radicalmente o desenvolvimento e a culminação da nacionalização da sociedade e do Estado, na mesma medida em que impede sua democratização, já que não se encontra nenhum exemplo histórico de modernos Estado-nação que não sejam o resultado dessa democratização social e política. Qual é ou pode ser esse elemento? Para começar, teria sido possível na França, o caso clássico de Estado-nação moderno, essa democratização social e radical se o fator racial tivesse estado presente? É muito pouco provável. Hoje em dia é fácil observar na França o problema nacional e o debate produzido pela presença de população não-branca, originária das ex-colônias francesas. Obviamente não é um assunto de etnicidade nem de crenças religiosas. Novamente basta recordar que há um século o Caso Dreyfus demonstrou a capacidade de discriminação dos franceses, mas seu final também demonstrou que para muitos deles a identidade de origem não era requisito determinante para ser membro da nação francesa, desde que a cor fosse francesa. Os judeus franceses são hoje mais franceses que os filhos de africanos, árabes e latino-americanos nascidos na França
  • “Por tudo isso, a colonialidade do poder estabelecida sobre a ideia de raça deve ser admitida como um fator básico na questão nacional e do Estado-nação. O problema é, contudo, que na América Latina a perspectiva eurocêntrica foi adotada pelos grupos dominantes como própria e levou-os a impor o modelo europeu de formação do Estadonação para estruturas de poder organizadas em torno de relações coloniais. Assim, ainda nos encontramos hoje num labirinto em que o Minotauro é sempre visível, mas sem nenhuma Ariadne para mostrar-nos a ansiada saída.

Eurocentrismo e revolução na América Latina

  • Outro caso nítido do “trágico desencontro entre nossa experiência e nossa perspectiva de conhecimento é o debate e a prática de projetos revolucionários”.
  • “No século XX a avassaladora maioria da esquerda latino-americana, adepta do Materialismo Histórico, manteve o debate basicamente em torno de dois tipos de revoluções: democrático-burguesa e socialista. Rivalizando com essa esquerda, o movimento denominado aprista – o APRA (Aliança Popular Revolucionária Antiimperialista) no Peru, a AD (Ação Democrática na Venezuela), o MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) na Bolívia, o MLN (Movimento de Libertação Nacional) na Costa Rica, o Movimento Revolucionário Autêntico e os Ortodoxos em Cuba entre os mais importantes – pela boca de seu maior teórico, o peruano Haya de la Torre, propôs originalmente, entre 1925-1935, a chamada Revolução Anti-imperialista, como um processo de depuração do caráter capitalista da economia e da sociedade latino-americanas, sobre a base do controle nacionalestatal dos principais recursos de produção, como uma transição em direção a uma revolução socialista. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, esse projeto transitou definitivamente para uma espécie de social-liberalismo, e se vai esgotando desse modo.
  • “Pode-se apresentar o debate latino-americano sobre a revolução democrático-burguesa como um projeto no qual a burguesia organiza a classe operária, os camponeses e outros grupos dominados para arrancar dos senhores feudais o controle do Estado e para reorganizar a sociedade e o Estado nos termos do capital e da burguesia. A suposição central desse projeto é que a sociedade na América Latina é fundamentalmente feudal, ou semifeudal na melhor das hipóteses, já que o capitalismo é ainda incipiente, marginal e subordinado”.
  • E “a revolução socialista, por sua vez, concebe-se como a erradicação da burguesia do controle do Estado pela classe operária, a classe trabalhadora por excelência, à frente de uma coalizão das classes exploradas e dominadas, para impor o controle estatal dos meios de produção, e construir a nova sociedade por meio do Estado. A tese dessa proposta é, obviamente, a de que a economia e portanto a sociedade e o Estado na América Latina são basicamente capitalistas. Em sua linguagem, isso implica que o capital como relação social de produção é dominante, e que consequentemente o burguês é também dominante na sociedade e no Estado. Admite que há resíduos feudais, e portanto, tarefas democrático-burguesas no trajeto da revolução socialista.
  • A maioria da esquerda latino-americana, até há poucos anos, aderia à proposta democrático-burguesa, seguindo antes de tudo os alinhamentos centrais do socialismo real ou do campo socialista, seja com sede em Moscou ou em Pequim. 
  • “Para acreditar que na América Latina uma revolução democrático-burguesa baseada no modelo europeu é não só possível, mas necessária, primeiro é preciso admitir na América, e mais precisamente na América Latina: 1) a relação sequencial entre feudalismo e capitalismo; 2) a existência histórica do feudalismo e consequentemente o conflito histórico antagônico entre a aristocracia feudal e a burguesia; e 3) uma burguesia interessada em levar a cabo semelhante empreendimento revolucionário. 
  • Sabemos que na China no início dos anos 30, Mao propôs a ideia da revolução democrática de novo tipo, porque a burguesia já não está interessada nessa sua missão histórica, e tampouco é capaz de levá-la a cabo. Neste caso, uma coalizão de classes exploradas/dominadas, sob a liderança da classe trabalhadora, deve substituir a burguesia e empreender a nova revolução democrática”.
  • Uma revolução antifeudal, portanto democrático-burguesa, no sentido eurocêntrico sempre foi uma impossibilidade histórica. “As únicas revoluções democráticas realmente ocorridas na América (além da Revolução Americana) foram as do México e da Bolívia, como revoluções populares, nacionalistas-anti-imperialistas, anticoloniais, isto é, contra a colonialidade do poder, e anti-oligárquicas, isto é, contra o controle do Estado pela burguesia senhorial sob a proteção da burguesia imperial”.
  • “Na maioria dos outros países, o processo foi um processo de depuração gradual e desigual do caráter social, capitalista, da sociedade e do Estado. Logo, o processo foi sempre muito lento, irregular e parcial.
  • Poderia ter sido de outra maneira? Toda democratização possível da sociedade na América Latina deve ocorrer na maioria destes países, ao mesmo tempo e no mesmo movimento histórico como uma descolonização e como uma redistribuição do poder. Em outras palavras, como uma redistribuição radical do poder. Isto se deve, primeiro, a que as “classes sociais”, na América Latina, têm “cor”, qualquer “cor” que se possa encontrar em qualquer país, em qualquer momento. Isso quer dizer, definitivamente, que a classificação das pessoas não se realiza somente num âmbito do poder, a economia, por exemplo, mas em todos e em cada um dos âmbitos. A dominação é o requisito da exploração, e a raça é o mais eficaz instrumento de dominação que, associado à exploração, serve como o classificador universal no atual padrão mundial de poder capitalista. Nos termos da questão nacional, só através desse processo de democratização da sociedade pode ser possível e finalmente exitosa a construção de um Estadonação moderno, com todas as suas implicações, incluindo a cidadania e a representação política”.
  • O autor afirma: “Quanto à miragem eurocêntrica acerca das revoluções “socialistas”, como controle do Estado e como estatização do controle do trabalho/recursos/produtos, da subjetividade/recursos/produtos, do sexo/recursos/produtos, essa perspectiva funda-se em duas suposições teóricas radicalmente falsas.
  1. “A ideia de uma sociedade capitalista homogênea, no sentido de que só o capital como relação social existe e, portanto, a classe operária industrial assalariada é a parte majoritária da população. Mas já vimos que não foi assim nunca, nem na América Latina nem no restante do mundo, e que quase seguramente não ocorrerá assim nunca. 
  • “A ideia de que o socialismo consiste na estatização de todos e cada um dos âmbitos do poder e da existência social, começando com o controle do trabalho, porque do Estado se pode construir a nova sociedade. Essa suposição coloca toda a história, de novo, sobre sua cabeça. Inclusive nos toscos termos do Materialismo Histórico, faz de uma superestrutura, o Estado, a base da sociedade. E escamoteia o fato de uma total reconcentração do controle do poder, o que leva necessariamente ao total despotismo dos controladores, fazendo-a aparecer como se fosse uma socialização do poder, isto é, a redistribuição radical do controle do poder. Mas, precisamente, o socialismo não pode ser outra coisa que a trajetória de uma radical devolução do controle sobre o trabalho/recursos/produtos, sobre o sexo/recursos/produtos, sobre a autoridade/instituições/violência, e sobre a intersubjetividade/conhecimento/comunicação, à vida cotidiana das pessoas. Isso é o que proponho, desde 1972, como socialização do poder (Quijano, 1972; 1981).
  • Solitariamente, em 1928, José Carlos Mariátegui foi sem dúvida o primeiro a vislumbrar, não só na América Latina, que neste espaço/tempo as relações sociais de poder, qualquer que fosse seu caráter prévio, existiam e atuavam simultânea e articuladamente, numa única e conjunta estrutura de poder; que esta não podia ser uma unidade homogênea, com relações contínuas entre seus elementos, movendo-se na história contínua e sistemicamente. Portanto, que a ideia de uma revolução socialista tinha que ser, por necessidade histórica, dirigida contra o conjunto desse poder e que longe de consistir numa nova reconcentração burocrática do poder, só podia ter sentido como redistribuição entre as pessoas, em sua vida cotidiana, do controle sobre as condições de sua existência social
  • O debate não será retomado na América Latina senão a partir dos anos 60 do século há pouco terminado, e no resto do mundo a partir da derrota mundial do campo socialista”.  
  • Na realidade, cada categoria usada para caracterizar o processo político latinoamericano tem sido sempre um modo parcial e distorcido de olhar esta realidade. Essa é uma conseqüência inevitável da perspectiva eurocêntrica, na qual um evolucionismo unilinear e unidirecional se amalgama

contraditoriamente com a visão dualista da história; um dualismo novo e radical que separa a natureza da sociedade, o corpo da razão; que não sabe o que fazer com a questão da totalidade, negando-a simplesmente, como o velho empirismo ou o novo pós-modernismo, ou entendendo-a só de modo organicista ou sistêmico, convertendo-a assim numa perspectiva distorcedora, impossível de ser usada salvo para o erro.

  • Não é, pois, um acidente que tenhamos sido, por enquanto, derrotados em ambos os projetos revolucionários, na América e em todo o mundo. O que pudemos avançar e conquistar em termos de direitos políticos e civis, numa necessária redistribuição do poder, da qual a descolonização da sociedade é a pressuposição e ponto de partida, está agora sendo arrasado no processo de reconcentração do controle do poder no capitalismo mundial e com a gestão dos mesmos responsáveis pela colonialidade do poder. Consequentemente, é tempo de aprendermos a nos libertar do espelho eurocêntrico onde nossa imagem é sempre, necessariamente, distorcida. É tempo, enfim, de deixar de ser o que não somos.