A questão racial é assunto delicado para ser tratado em qualquer lugar do mundo, mas no Brasil isso se torna particularmente sensível. Diríamos de forma simplificada que essa particularidade brasileira pode ser explicada pela existência de três características as quais circundam e adentram o debate. Uma delas, indicamos ser resultado da consolidação de um dos elementos centrais a ser exposto.
Feita a observação, tratamos na seguinte ordem essas características que chamaremos de “elementos de entrave” ao avanço antirracista: a) a “democracia racial” brasileira, consolidada a partir da célebre obra de Gilberto Freyre, é produto sócio histórico que, desde o século XVIII, já pode ser identificada em alguns escritos, o que demonstra que nessa época já era gestada a romantização das relações raciais, em pleno período escravocrata; b) derivado desse mito (democracia racial), entendemos que a sistematização dele como conhecimento tomou feições de senso comum, domínio popular, autorizando – supostamente – a todos tratarem a questão racial como se as suas opiniões fossem verdadeiras acerca dela, opinião que, por sua vez, geralmente, reafirma o “mito”; e c) por fim, é inevitável falar de certas apreensões acerca do pensamento crítico-marxiano/marxista quanto à classe social e qual deve/deveria ser o enfoque das análises e das lutas revolucionárias socialistas. O dado histórico quanto ao item “c” é irrevogável: os segmentos da esquerda brasileira na primeira metade do século XX foram implacáveis quanto aos seus objetivos na luta contra o capitalismo que se estabelecia no Brasil. Contudo, suas convicções passavam longe de quaisquer possibilidades de se compreender a questão racial como elemento sócio histórico relevante no enfrentamento da violência do capital. Prova disso foi a expulsão, do Partido Comunista do Brasil, de um dos maiores intelectuais e militantes brasileiro, Abdias do Nascimento. Abdias junto a outros colegas militantes da questão racial sempre faziam questão de ressaltar nos congressos e reuniões do partido por que flagelos passavam a população negra; denúncia que a Imprensa Negra e os vários movimentos que surgiram desde o final do XIX, já denunciavam. Entretanto, o partido, sob o argumento de que os negros estavam querendo dividir a classe trabalhadora, dividir a luta, o expulsaram da sigla. Evidente que muito desse argumento ainda persiste, por aí. Mas, por ora, fica o registro apenas sobre a leitura limitada que se fez naquele momento sobre o que seja a classe trabalhadora e como deve ser o enfrentamento à violência do capital.
Aberto esse pequeno detalhamento sobre o quão amplo pode ser o resgate histórico e o debate teórico sobre os pontos levantados, indicamos que a exposição de cada um desses elementos de entrave deve se desdobrar em análises bastante cuidadosas. Para isso faremos um trajeto histórico, mas não necessariamente cronológico, das lutas de resistência negra como um contraponto à romantização das relações raciais, construída historicamente, ao passo que paralelamente se apresentará como surgiu na história o discurso mítico da democracia racial; indicaremos também como e o momento histórico no qual surgem as teorias racialistas para legitimar a dominação escravocrata que já se tornava insustentável ideologicamente diante do avanço do capitalismo; trataremos sobre as apreensões críticas acerca das teorias racialistas de cunho biológico e culturalista; e por fim, faremos um pequeno resgate do debate acerca da categoria classe social, na busca de indicar a reflexão acerca da questão racial como uma demanda possível, necessária e urgente para resistência contra o avanço do capital no que tange ao contexto brasileiro.
Nesse primeiro texto o objetivo foi apenas indicar o tema “questão racial” como necessário, apresentar uma estrutura crítica básica acerca dos “entraves ao antirracismo”, bem como desenhar uma metodologia básica de análise. Portanto, nos próximos textos trataremos sempre sobre os debates que versem sobre os problemas discutidos nesse início. Até o próximo texto!
* Bacharel em Ciências Econômicas e Mestre em Política Social pela UFES.